sexta-feira, 20 de julho de 2012

A droga chamada Gênero.

Até que ponto somos todxs unxs drogadxs...

A crença é uma arma. Xs heterossexuais constroem uma prisão amatória. Temos visto como tudo pode chegar a ser droga e como xs capitalistas nos provém de diversas drogas. É o momento de considerarmos mais profundamente os afetos para analisar o regime farmacopornográfico em que “vivemos”. 

O êxito da tecnociência contemporânea é transformar nossa depressão em Prozac, nossa masculinidade em testosterona, nossa ereção em Viagra, nossa fertilidade/esterilidade em pílula anticonceptiva, nossa Aids em triterapia. Sem que seja possível saber quem vem antes, se é a Depressão ou o Prozac, se o Viagra ou a ereção, se a testosterona ou a masculinidade, se a pílula anticonceptiva ou a maternidade, se a triterapia ou a aids. Essa produção em auto-feedback é própria do poder farmacopornográfico no qual vivemos hoje em dia. 

Um pouco de história

Durante o século XX, período em que se leva a cabo a materialização farmacopornográfica, a psicologia, a sexologia, a endocrinologia estabeleceram sua autoridade material transformando os conceitos de psiquismo, de libido, de consciência, de feminilidade e masculinidade, de heterossexualidade e homossexualidade em realidades tangíveis, em substâncias químicas, em moléculas comercializáveis, em corpos, em biotipos humanos, em bens de intercâmbio gestados pelas multinacionais farmacêuticas. 

Se a ciência atingiu o lugar hegemônico que ocupa como discurso e como prática foi precisamente graças a sua capacidade para inventar e produzir artefatos vivos: ou seja, nossos corpos e nossas práticas tal como a conhecemos. Por isso a ciência é a nova religião/droga contemporânea, pois possuí a capacidade de criar, e não simplesmente de descrever a realidade. A testosterona corresponde, junto com a oxitocina (parto induzido), a seretonina (usada para tratar a depressão), a codeína (analgésico), a cortisona (anti-inflamatória), o estrógeno (pílulas anticonceptivas).  etc, ao conjunto de moléculas disponíveis hoje para fabricar a subjetividade e seus afetos. 

O objetivo dessas tecnologias farmacoponográficas é a produção de um corpo suficientemente dócil para colocar sua capacidade total e abstrata de criar prazer a serviço da produção de capital. 

O início de algumas das drogas mais comuns hoje em dia 

Em 1946 se inventa a primeira pílula antibêbes a base de estrógenos sintéticos - o estrógeno em breve se tornará na molécula farmacêutica más utilizada de toda a história da humanidade - . Em 1947 , os laboratórios Eli Lily (Indiana, EUA) comercializam a molécula da Metadona ( a mais simples dos opiáceos ) como analgésicos, tornando-se nos anos setenta no tratamento básico de substituição no vício em heroína; nesse mesmo ano, o pseudopsquiatra norte americano,  John Money inventa o término “gênero”, diferenciando-o do tradicional “sexo”, para citar uma adesão de um indivíduo a um grupo culturalmente reconhecido como “masculino” ou “feminino” e afirma que é possível “modificar  o gênero de qualquer bebê até os dezoito meses”. 

Gênero

O gênero (feminilidade/masculinidade) é uma ecologia política. A certeza de ser homem ou mulher é uma ficção somática-política produzida por um conjunto de tecnologias de domesticação do corpo, e técnicas farmacológicas e audiovisuais que fixam e delimitam nossas potencialidades funcionando como filtros que produzem distorções permanentes da realidade que nos rodeia.  O gênero funciona como um programa operativo pelo qual se produz percepções sensoriais que tomam a forma de afetos, desejos, ações, crenças e identidades.

Um dos resultados característicos dessa tecnologia de gênero é a produção de um saber interior sobre si mesmo, de um sentido de Eu sexual que aparece como uma realidade emocional evidente a da consciência, “sou homem”, “sou mulher”, “sou homossexual”, são algumas das formulações que condensam saberes específicos sobre si mesmo, atuando como os núcleos duros da construção política-simbólica sobre os corpos em torno dos quais reúne um conjunto de práticas e discursos.

A programação do gênero é uma tecnologia psico-política de modelização da subjetividade que permite produzir sujeitos que pensam e agem como corpos individuais, que se autocompreendem como espaços e propriedades privadas, com uma identidade de gênero e sexualidades fixadas.

Não existe gênero masculino ou gênero feminino se não frente a uma plateia, ou seja, como uma construção somato-discursiva de carácter coletivo, frente à comunidade científica ou a rede de relações sociais. 

Anticonceptivos

Vivemos sobre o controle de tecnologias moleculares, de camisas de força hormonais destinadas a manter as estruturas de poder do gênero: as meninas brancas de classe média hiperestrogenadas chorando pelos meninos que as fodem e as jogam fora, as meninas não brancas e pobres ameaçadas sistematicamente de violência ou estupro; os meninos brancos controlando suas asquerosas pulsões sexuais, os meninos não brancos perseguidos pelo poder estatal que criminaliza e castiga suas violentas e asquerosas pulsões sexuais. E o Estado tirando prazer da produção e do controle de nossa repugnante subjetividade.

Ginecologistas propõem as bio-mulheres – indiferentes a afirmação de outro tipo de sexualidade (anal, com vibradores, ou lésbica) – a pílula anticonceptiva como método, elogiando suas virtudes, para “regular o ciclo menstrual”, “melhorar a pele”, ou “aliviar as dores menstruais” sem mencionar seus efeitos secundários, -  exceto sua interação cancerígena no caso de consumo de tabaco, onde o responsável parece ser mais o tabaco que a pílula.

A questão é administrar a dose farmacopornográfica necessária de estrógenos e progesterona para nos transformar em fêmeas submissas, de seios grandes, humor estável e depressivo, sexualidade passiva ou frigidez. As novas pílulas são também instrumentos de beleza e feminização. Se trata de um violento método de refeminização técnica das bio-mulheres camuflado sob a forma de controle de natalidade e portanto, inocentemente bem recebido como tática de liberação sexual.

Nossas sociedades contemporâneas são enormes laboratórios sexo-políticos nos quais se produzem os gêneros. O corpo, os corpos de todxs e  de cada umx de nós são os preciosos enclaves em que se sustentam complexas transações de poder. Isso que chamamos de sexo, mas também de gênero (masculinidade ou feminilidade) e a sexualidade, são técnicas do corpo, extensões biotecnológicas pertencentes ao sistema sexo-político onde o objetivo é a produção, reprodução e expansão colonial da vida heterossexual humana sobre o planeta.

Contrariamente a crença difundida, a heterossexualidade trata-se de um conceito econômico que designa uma posição específica no seio das relações de produção e de troca baseadas na redução do trabalho sexual, de gestação e criação e cuidados dos corpos para o trabalho não remunerado. O próprio desse sistema econômico-sexual é funcionar através de processos semióticos-técnicos, linguísticos e corporais, de repetição regulada imposta por convenções culturais. O capitalismo é inimaginável sem a institucionalização do dispositivo heterossexual.

Família e Casamento

O término família, célula base da sociedade, deriva do latim famulus “conjunto de escravos e escravas” (Dicionário Etimológico de Corominas). Família, assim, torna-se não apenas o conjunto de escravos, mas também o olho onisciente e onipresente moral que reduz tudo ao binômio vítima e opressor, onde os que não podem reconhecer as formas de abuso sofridas como tipificadas no Código Penal seriam ad aeternitatem (sobreviventes) suspeitas de culpa.

Família quer dizer vigilância permanente sobre os corpos por alguém que exerce sobre elxs um poder -  e que, por exercer esse poder, tem a possibilidade não apenas de vigiar mas também de constituir um saber sobre aquelxs a quem vigia: ninguém sabe mais de você que mamãe ou papai -. O abuso do vínculo apaixonado que se encontra no tecido familiar com as crias humanas, inerente de tal forma de estruturar o parentesco, é quase impercebível incluindo até para quem a sofre, apenas percebível nos danos, e os afetos (as marcas) com as que se carregam dentro desse ideal regulador que não apenas determina que formas de amor são possíveis e quais outras não, mas que também determinou que formas de ódio não são possíveis e aceitáveis socialmente: o tabu de já não amar mais a própria família ou de conscientemente -  deixa-la.

Dizem que a família esta voltando, e que isso volta o casal. Mas a família que retorna não é a que se foi. Sua volta não é mais que um aprofundamento da separação reinante, que serve para enganar, tornando-se ela mesma o engano. Cada um pode testemunhar, as doses de tristeza que condensam cada ano as festas familiares, seus falsos sorrisos, as dificuldades em dissimular em vão a todos, esse sentimento de que existe um cadáver ali, sobre a mesa, e que todos fingem que nada esta a acontecer.

Se quiser encontrar na familiaridade biológica uma desculpa para corroer dentro de nós qualquer determinação rompedora, para fazermos renunciar, com o pretexto de que vimos crescer, envelhecer como um resultado da gravidade é já na infância. 

Desta corrosão, é necessário preservar-se. O casal é como o último escalão da grande catástrofe social. É o oásis no meio do deserto humano. Vem-se a buscar nela sob os auspicios do “intímo” tudo o que tem desertado tão evidentemente das relações sociais contemporâneas: o calor, a simplicidade, a verdade, uma vida sem teatro nem espectador.

Mas passado a vertigem amorosa, a “intimidade” termina em sua deserção: ela mesma é um invento social, fala a linguagem da imprensa feminina e da psicologia, é como o resto blindado de estratégias até o cansaço.

Diagnóstico

A mutação dos processos de governo social a partir do século XVIII fez com que o corpo tornar-se o centro de gestão do político. Uma ficção histórica transitória em relação às formas de produção econômicas de governo do social que cria uma alma sexualizada, uma subjetividade que tem a capacidade de dizer Eu e internacionalizar um conjunto de processos de normalização que os levam a dizer “sou homossexual” ou sou “heterossexual”.  

A sexualidade não é apenas um conjunto de regulações políticas, mas no processo de industrialização da Revolução Francesa, a reprodução sexual se entendeu como uma das máquinas do social.  É preciso então, que o corpo social esteja organizado reprodutivamente, ou seja, a família heterossexual. Essa é a fantasmagórica política na qual temos vivido. 

Em meados do século XX, ocorreu uma quebra, e toda sexualidade não reprodutiva é objeto de controle, vigilância e normalização. O sexo é importante porque se converte em um dos enclaves estratégicos nas artes de governar. Mas isso que chamamos de sexo não é nada estável, mas um conjunto de constantes mutações históricas. Agora mesmo as minorias sociais e políticas estão participando e intervendo nos processos de definição das gramáticas de gênero, exaltação política absolutamente nova e fascinante da qual é “necessário” formar parte.

A dimensão ética não esta diferenciada da política. As técnicas do eu são as mesmas que as técnicas de agenciamento coletivo. A luta é coletiva e a redefinição do sexo e a sexualidade passam por acordos coletivos. Há outro lugar que se está configurado desde as lutas que reclamam um corpo que de alguma maneira vai mais além dos imperativos normativos do que as leis nacionais.

Esse corpo se percebe como migrante, fugitivo,  e não tem mais o que temos chamado até agora identidade no sentido mais administrativo, ou seja, se trata de um corpo sem identificação. Não existe sujeito da revolução. Mas a revolução e a guerra são constantes. Não há um momento messiânico que nos espere mais além para o qual devamos nos preparar.

A situação em que estamos e construímos o gênero e a normalidade é a guerra total no interior do corpo e frente a isso, a revolução é constante. Frente a essa situação pós politica é absurdamente necessário pensar onde esta a revolução, como se produz, quais são as formas através das quais atuam.

A guerra não será depois, e a revolução não será amanhã, mas a guerra é hoje e a revolução é agora. Portanto, os movimentos de minorias sexuais não podem estar apenas no diálogo e na luta com o Estado, que não tem a centralidade que tinha no passado. Esse mesmo, tão abstrato e impossível de suprir as a complexidade da vida cotidiana. 

É um absurdo hoje ter como objetivo conseguir o matrimônio GLBT, frente às complexidades das configurações pós coloniais, de sexo e de raça. É preciso atacar essa ficção do matrimônio desde outro lugar que não seja a legalidade. Não existe uma verdade sexual escondida debaixo de uma grande capa de repressões sociais. Não se pode confiar que o desejo se cria nessa rede de relações, do mesmo modo que não há uma identidade que precede as subjetivações normativas. Desaprender teus próprios desejos, aquilo que culturalmente aprendemos a desejar, é uma tarefa muito demorada, mas fundamental.

Em realidade, a decomposição de todas as formas sociais é uma oportunidade. É a condição ideal para uma experimentação massiva, selvagem, de novos arranjos, de novas alianças. 

Na morte do casal, vemos nascer inquitantes formas de afetividades coletivas, agora que o sexo é usado até saciar-se, que a virilidade e a feminilidade são uns velhos vestidos carcomidos pelo tempo, que três décadas de continuas inovações pornográficas esgotaram os atrativos da transgressão e a liberação.  

O que há de incondicional nos laços de parentesco, tentamos fazer a armadura de uma solidariedade política tão impenetrável a interferência estatal como um acampamento de ciganos. “Autonomia”, poderia querer dizer, também estar nas ruas, ocupando casas vazias, a não trabalhar, a relacionar-se loucamente com outros corpos e a roubar nas lojas.

Fonte: http://re-mal-antidrogas.blogspot.com.ar/
Tradução: QueerTerror
Porto Desalegre
Brasil